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O crescimento das mulheres nos esportes se deu de forma lenta. Na Grécia Antiga, era proibida a participação feminina nas Olimpíadas. Surgiram os Jogos Heranos, disputado exclusivamente por mulheres, mas só havia uma prova: corrida de 162m. Durante o domínio romano, os Jogos Olímpicos foram suspensos, voltando a acontecer na Era Moderna, em 1896, mas as mulheres só podiam assistir. Stamati Revithi correu a maratona do lado de fora do estádio, como forma de protesto, completando a prova em tempo menor que de alguns homens. A partir de então, a inclusão feminina nos Jogos foi, aos poucos, acontecendo. Em 1900, primeira edição com participação feminina, eram 22 mulheres e 997 homens. 

 

Graças a mulheres que enfrentam enormes desafios, o esporte feminino vem crescendo e a arte marcial também. Dana White, presidente do Ultimate Fighting Championship (UFC) já chegou a dizer que o evento nunca teria lutas protagonizadas por mulheres. Hoje, uma das melhores atletas de MMA do mundo, Ronda Rousey, é destaque no UFC. Apesar da maioria das lutas e categorias ainda serem de homens, a luta principal do UFC 193 e uma das mais comentadas recentemente foi entre as ex-campeãs do peso galo, Ronda e Holly Holm.

 

Assim como o MMA, mulheres também têm se destacado no cenário mundial do Jiu-Jitsu. Porém, o crescimento feminino na modalidade também foi lento e precisa progredir a cada dia, apesar de estar em um nível como nunca visto antes. Uma das principais influências para o crescimento do Jiu-jitsu feminino é Yvone Duarte. A primeira faixa preta da arte suave (1990) começou a treinar em 1978, com 14 anos. Ela queria competir, porém, não havia categoria feminina nos campeonatos na época. Diante disso, começou uma batalha para a inclusão das mulheres. Depois de alguns anos, em 1985, o primeiro campeonato com divisões femininas foi organizado pela Federação Carioca de Jiu-jitsu e Yvone, então faixa azul, foi campeã. Yvone foi a pioneira do Jiu-jitsu feminino no Brasil e hoje é faixa preta 5º grau.

 

Além de Yvone, outras mulheres também foram responsáveis pelo desenvolvimento do Jiu-jitsu feminino, como Letícia Ribeiro, Leka Vieira, Rosangela Conceição, Kyra Gracie, Michelle Nicolini e Hannette Staack. A primeira faixa preta da família Gracie teve que vencer preconceitos até dos próprios parentes. Kyra conta (aqui)¹ que teve apoio no início, mas quando perceberam que ela queria levar a sério, falaram para ‘deixar a luta com os homens’. Depois de insistir muito e começar a se destacar nas competições, Kyra rebeceu apoio da família. 

 

Hannette Staack lembrou da importância dessas mulheres para o esporte: “Sou muito grata às pioneiras do esporte. (...) Nós fomos responsáveis por representar o esporte fazendo lutas incríveis e super dinâmicas. Também de fazer cair por terra a falsa ideia de que o Jiu-Jitsu era um esporte exclusivamente masculino, ou de que ficaríamos masculinas por fazer Jiu-Jitsu”, conta a multicampeã da arte suave. O Igualdade no BJJ, movimento brasileiro que levanta a bandeira da igualdade, também desconstrói a ideia de arte marcial ser só para homem: “Mudar este tipo de mentalidade é o primeiro passo para podermos receber novas praticantes. As pioneiras sofreram muito para abrir caminho para a geração atual, que ainda sim continua superando obstáculos diários. Nenhuma mulher deveria ser obrigada a ter que enfrentar esse tipo de dificuldade simplesmente para aprender uma arte marcial ou competir em um esporte de que gosta”. 

 

O primeiro Campeonato Mundial de Jiu-jitsu foi disputado em 1996, com nove categorias de peso e absoluto em cada faixa (azul a preta). Em 1998, as mulheres também entraram na disputa, em duas categorias (leve e pesado*) com quatro atletas cada uma. Em 1999 e 2000, o feminino tinha duas divisões de faixa: azul e roxa/marrom/preta. Em 2005, as faixas roxas foram separadas e apenas em 2012 as mulheres começaram a competir com todas as faixas separadas, apesar de ainda ocorrer a junção de marrom e preta em alguns campeonatos (como o Abu Dhabi World Pro).

 

 

Hoje, muito mais mulheres praticam Jiu-Jitsu, mas a igualdade ainda está longe de ser alcançada. A premiação de alguns dos maiores campeonatos da arte suave ainda não é igual para homens e mulheres. O movimento Equal Pay For BJJ (pagamento igual para o Jiu-jitsu, em tradução livre), iniciado pela faixa preta e competidora Dominyka Obelenyte, luta pela igualdade no Jiu-Jitsu. As atletas defensoras do movimento ressaltam que se dedicam e treinam da mesma maneira que os competidores homens e, por isso, a premiação deve ser igualitária. Pegando como exemplo o Atlanta BJJ Pro (realizado no próximo dia 30/04): quatro divisões de peso masculina (faixa preta) são premiadas (4 mil dólares para o primeiro e mil para o segundo colocado). Já as faixas pretas recebem 1500 dólares e as competidoras de azul, roxa e marrom, 400 dólares (todas as faixas no absoluto). Porém, a premiação de final de ano para os melhores do ranking é igual para homens e mulheres.

 

O Igualdade no BJJ, que nasceu inspirado no Equal Pay, traz o mesmo debate para o Brasil, e vai além da questão só da premiação. “Queremos transformar o ambiente, infelizmente, ainda muito machista que é a nossa comunidade, escancarando as portas para que mais e mais meninas se beneficiem e contribuam para a arte suave - sendo respeitadas em todas as esferas: desde a academia até os campeonatos, sem esquecer dos patrocinadores”, ressaltam as (os) representantes do movimento, que não é formado e apoiado só por mulheres. 

 

 

Hannette Staack, porém, diz que sente falta de mais meninas nos campeonatos, que são compostos por homens em sua maioria: “O progresso é inevitável, se continuarmos fazendo a nossa parte. E qual é a nossa parte? Participar dos campeonatos, continuar treinando, fazer a nossa comunidade crescer buscando outras praticantes de Jiu-Jitsu e representar o nosso esporte de maneira correta”, ressalta. Michelle Nicolini também diz (aqui) que gostaria de ver mais meninas nos campeonatos.

 

 

 

A união entre as meninas também é algo muito importante, como ressalta Larissa Paes, um dos destaques na faixa roxa atualmente. Muitos movimentos de mulheres surgem com o objetivo de valorizar e divulgar o Jiu-Jitsu feminino, mas Larrisa diz que “isso deveria ser entre todas e não só algumas. Essa união é muito importante, é fundamental para que o Jiu-Jitsu cresça”. 

 

Lutadoras na mídia
O retrato da mulher na mídia esportiva em geral tem aspectos diferentes em relação aos atletas homens. Com frequência, as atletas são notícia não por seus feitos no esporte, mas por sua beleza e aspectos físicos. O corpo da mulher é constantemente objetificado na mídia e uma simples pesquisa no Google pode evidenciar isso, como mostrou Bruno Fugazza em seu texto ‘Mulheres no Jiu Jitsu: enfrentando mais desafios e recebendo menos reconhecimento’, para o BjjForum. Ao pesquisar por ‘Mulheres MMA’, a primeira notícia era ‘Veja as mulheres mais bonitas do MMA’, enquanto temos nomes como Ronda Rousey revolucionando a história do MMA feminino. Se você digitar ‘uniforme vôlei de praia’ no Google Imagens, aparecerão praticamente só mulheres e com closes em determinadas partes de seu corpo. 
 

Portanto, a mídia enfatiza os aspectos físicos das atletas, enquanto o semelhante não acontece com os homens. Muitas reportagens vão falar das ‘musas’ do esporte, da ‘bela’ fulana que ganhou as Olimpíadas, mas não o ‘muso’ e ‘belo’ atleta, que será tratado apenas – e preferencialmente – como atleta. “Essa ainda é a forma como a mídia vende/promove o público feminino dentro das artes marciais. Ainda vejo muito chão pela frente para mudar essa realidade”, diz Hannette Staack sobre a relação da mídia com as artes marciais. 

 

Dessa forma, fica enraizada a distinção de gênero para quase tudo na vida. Mulheres que praticam futebol ou artes marciais não recebem o mesmo reconhecimento dos homens que praticam o mesmo esporte, pois isso ‘não é coisa de mulher’. Junto a isso, vem o discurso que diminui a prática feminina desses esportes. Chutar, lutar, arremessar ou fazer qualquer outra coisa ‘que nem mulher/moça’, é algo negativo, pejorativo. 

 

Te falam para deixar de ‘ser mulherzinha’ e treinar como homem. As mulheres não devem fazer nada ‘como homens’, pois são mulheres e devem lutar como tais. Esse ‘mulherzinha’ soa negativo pois a sociedade enxerga que não lutamos, por exemplo, tão bem quanto os homens, como lembra o Igualdade no BJJ. O movimento ainda ressalta que “lutar que nem mulherzinha pode significar ser uma Mackenzie Dern da vida. É isso que as meninas devem ter em mente. "Inha" só se for no tamanho!”. Não somos ‘mulherzinhas’ no sentido pejorativo imposto pela sociedade, e sim lutadoras, atletas que se orgulham e enfrentam muitos desafios para alcançar a igualdade dentro e fora dos tatames. 

 

*O site da IBJJF não especifica quais as faixas das atletas que competiram. 

 

**As informações e opiniões emitidas neste texto são de inteira responsabilidade da autora, não correspondendo, necessariamente, ao ponto de vista do BjjLaw.com.br

 

Graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e praticante de Jiu-jitsu.

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