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As entidades que administram o Jiu-jitsu são alvos das mais variadas críticas, dentro e fora dos tatames.  Esse é um tema que gera bastante controvérsia entre praticantes, professores, e dirigentes de equipes.

 

Para que seja possível a compreensão do atual cenário dessas entidades é necessário compreender a importância do Direito Desportivo através do seu surgimento em solo nacional e os reflexos que a legislação desportiva pode causar para os seus envolvidos.

 

Em 1930, o advogado e professor da Faculdade de Direito, e advogado da Corte de Toulouse, Jean Loup, proclamou em “Les Sports et Le Droit”: "Existe um direito desportivo; é um fato. Pode ser interpretado como se queira, mas sua existência é indiscutível”.


Jean Loup demonstrou que o interessado em participar de um esporte e ser integrante da família desportiva deve seguir regras que são oriundas de uma Federação Nacional, e até mesmo Internacional, devendo se submeter aos critérios estabelecidos e regulados por essas entidades.  Não resta dúvida que os julgamentos jusdesportivos devem ser obedecidos e respeitados no âmbito universal do desporto.

 

A DITADURA E O ESPORTE
Nesta época, no início da década de 30, ocorreu no Brasil a queda da nobreza agrária, e por outro lado a ascensão do militarismo através do governo de Getúlio Vargas.  Com o golpe de 1937, surgiu o Estado Novo, e com isso o conceito de aprimoramento humano deu um destaque para a Educação Física, que foi incluída no Conselho Nacional da Cultura, através do Decreto-Lei nº 526/38 que objetivou o desenvolvimento cultural, sendo esta a primeira norma com menção ao desporto no Brasil.

 

No ano seguinte, em 1938, a Comissão Nacional de Desporto teve a missão de realizar um estudo detalhado dos problemas desportivos e apresentar o plano de sua regulamentação nacional, do qual resultou no Decreto-Lei nº 3.199 de 1941, estabelecendo as bases para organização do desporto no país, e como alvo o controle das atividades esportivas pelo Estado; o desporto era organizado e controlado pela Administração Pública sob o viés da ditadura militar.

 

Com o advento da Constituição de 1988, houve uma transformação no ciclo legislativo desportivo, claramente fundamentado em seu artigo 5º:

 

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 
(...)
XVII: é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
XVIII: a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
XXVIII: são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

Com isso, encerrou-se o controle estatal e surgiu a liberdade de criação de associações, ou seja, as federações e confederações, que são denominadas legalmente de entidades de administração desportiva.

 

Foi dada autonomia para as entidades de administração desportivas, quanto a sua organização e funcionamento; bem como a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para o desporto de alto rendimento; além do tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional (amador) e por fim a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

 

Neste sentido reconheceu o legislador constituinte a Justiça Desportiva e estabeleceu limite formal de conhecimento de disputas desportivas perante o Poder Judiciário, vinculando-o ao esgotamento das instâncias da Justiça Desportiva.

 

Justiça Desportiva que por força da Lei 9.615 de 1998 (popularmente conhecida como Lei Pelé) deve ser mantida por cada entidade de administração da respectiva modalidade esportiva, ou seja, cada Federação e Confederação deve garantir aos seus filiados, através do Tribunal de Justiça Desportiva, a ampla defesa e o contraditório às questões inerentes ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas.

 

Sob essa ótica podemos iniciar uma análise de quão distante estamos do que a Lei determina, e isso acarreta inúmeros prejuízos para o desenvolvimento real da modalidade esportiva, e nesse caso estamos pautando sobre a Arte Suave, esporte que movimenta números cada vez maiores em aspectos financeiros e de números de atletas e agremiações.

 

MULTIPLICIDADE DE (CON)FEDERAÇÕES
Atualmente é discutida a multiplicidade de Federações e Confederações que administram o Jiu-jitsu, e isto para a maioria dos envolvidos no esporte é considerado ilegal por razão de desconhecimento jurídico.

 

Cabe agora esclarecer que a Constituição Federal garante a livre criação de associações civis, e o Código Civil orienta a forma como serão reguladas essas associações; o problema está na esfera da legislação desportiva, a qual determina providências a serem tomadas pelas entidades de administração desportiva (associações), para que sejam garantidos os direitos e o cumprimento de deveres aos personagens desportistas, os atletas.

 

A ausência dos cumprimentos legais gera o afastamento de grandes investidores do esporte, pois o patrocinador se orienta pelas normas legais e diretrizes empresariais para direcionar seus recursos financeiros em uma modalidade que tenha interesse em vincular a sua marca.

 

Outro obstáculo a ser vencido é a continuidade de comando nas (Con)Federações, pois aparentemente não ocorre pleito eleitoral para o exercício dos mandatos. Tal fato não configura ilegalidade, no entanto a consequência de tal postura é o impedimento de receber recursos públicos para o desenvolvimento da modalidade esportiva.

 

Nesse ponto, entendo que a alternância de controle nas administrações da Arte Suave, como em qualquer outro esporte, deve ser constante, haja vista que a prática do esporte é um direito constitucional.

 

Qualquer decisão que venha a influenciar direta ou indiretamente na modalidade terá efeitos para todos os cidadãos; permanecendo assim a autonomia das entidades sem sofrer interferências estatais.

 

JUSTIÇA DESPORTIVA E OS INVESTIMENTOS
A Justiça Desportiva é algo concreto e que não pode deixar de ser visto como um dos pilares do Direito Desportivo, pois ela garante a segurança jurídica de acordo com o preceito constitucional.

 

No entanto, a população em geral acredita que a Justiça Desportiva existe apenas no Futebol, que a bem da verdade essa é uma obrigação constitucional prevista nos §§1º e 2º do artigo 217.

 

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
(...)
§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.


Os casos analisados estão relacionados às questões disciplinares e competitivas, com a ressalva de que o Poder Judiciário somente admitirá uma ação judicial quando forem esgotadas todas as instâncias do Tribunal Desportivo.

 

Aparentemente, o cenário atual da Arte Suave, e outras modalidades de combate, não apresenta obediência completa à Constituição Federal e à Lei Geral Desportiva, pois nesse aspecto cada esporte deve possuir a estrutura da Justiça Desportiva instalada pela Federação ou Confederação correspondente.

 

As entidades de administração devem se atentar a esse aspecto, pois cada vez mais, com a evolução dos esportes, as demandas jusdesportivas se apresentam em números maiores, haja vista os casos corriqueiros de dopping.

 

A instalação da Justiça Desportiva demonstra ao público alvo (atletas, treinadores, equipes, investidores e patrocinadores) uma segurança nas relações existentes, na qual são gerados reflexos em vários campos da sociedade, sobretudo na área de investimentos públicos e privados.

 

TRANSPARÊNCIA
As federações, independente do local de atuação, devem primar pela clareza de suas informações, seja nos seus atos constitutivos (Estatutos, Códigos de Ética e Regulamentos), seja na sua prestação de contas, pois independente da obrigação legal (apenas para recebimento de recursos públicos), os grandes investidores necessitam saber se aquela entidade é transparente em primeiro lugar para os seus associados, ou seja, os seus atletas.

 

Essa falta de informação, sobretudo na era da internet, com a facilidade de publicação de informações e expansão das redes sociais, acarreta um prejuízo imensurável para o Jiu-jitsu e seus praticantes.

 

Neste sentido, podemos perceber que, assim como na Arte Suave não podemos deixar de praticar as técnicas básicas para formar um jogo sólido, deve funcionar a sua administração; praticando o que está previsto na legislação constitucional e civil vigente, sem se descuidar das normas desportivas que regem todas as modalidades esportivas dentro e fora do país.

 

Passamos por transformações que se apresentam como mudanças, e toda alteração gera desconforto, mas nada que não seja possível de ser vencido, pois todos somos praticantes da arte marcial que transforma aquele ser franzino em um leão através da inteligência e do uso correto de suas técnicas.

 

Esta coluna chama-se O Direito pela Luta justamente por isso, sempre distante de querer apresentar uma verdade absoluta, mas com o objetivo de demonstrar a luta pelo desenvolvimento do jiu-jitsu, utilizando o Direito como ferramenta de combate à falta de informação ou desvios de caminho que impeçam a elevação de nossa arte marcial em sua plenitude.
 

 

**As informações e opiniões emitidas neste texto são de inteira responsabilidade do autor, não correspondendo, necessariamente, ao ponto de vista do BjjLaw.com.br

 

Advogado inscrito na OAB-RJ, pós-graduando em Direito Desportivo pela Universidade Cândido Mendes e pelo Instituto de Ciência do Futebol da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro, além de ser Faixa Preta e Professor de Jiu-jitsu.

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